segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
O Vôo da Águia
No Benfica passamos muitas vezes por fases de recomeços. Passamos por fases de renovação para como alguns referem, ficarmos com a alma limpa para novas coisas. Dada a pertinência do assunto e pelos vistos a atualidade do mesmo, tinha pensado numa crónica diferente, uma coisa tipo propostas para a renovação do Benfica, como já outros o fizeram. Mas às vezes um texto verborreico, sapateante, e com algumas cambalhotas (não resisti a um pequeno e despudorado plágio... hehehehe), pode-nos dizer mais que outros pretensamente objetivos. Ei-lo:
A águia é a única ave que chega a viver até aos 70 anos. Mas para que isso aconteça, por volta dos 40, acaba por ter de tomar uma séria e complicada decisão.
Com esta idade, as unhas da águia ficam demasiado compridas e flexíveis. O que faz com que por vezes não consiga agarrar as presas das quais se alimenta. O bico, alongado e pontiagudo, curva-se. As asas, algo envelhecidas e pesadas em função da espessura das penas, apontam contra o peito. Voar acaba por se tornar um exercício difícil e penoso.
Neste momento crucial da sua existência a águia tem apenas duas alternativas: não fazer nada e definhar lentamente, ou enfrentar um doloroso processo de renovação.
A nossa águia decide então enfrentar o desafio. Voa para o alto de uma montanha e decide fazer um novo ninho, próximo do velho mas numa falésia mais segura, de onde julga nunca mais ter de voltar a voar. Lá, a águia bate com o seu bico na falésia, bate, bate e bate até conseguir arrancá-lo. Depois, pacientemente, dolorosamente paciente, espera que nasça um novo bico. Com esse novo e renovado bico, forte tão forte, como o de outrora, ela passa ao processo de arrancar as velhas unhas.
Se pensaram que arrancar o bico era um processo doloroso, imaginem o quanto a águia sofre ao arrancar as suas unhas... Mas as unhas crescem, desenvolvem-se, mais depressa do que poderia pensar e quando as novas unhas começam a nascer, a águia passa a arrancar as velhas penas. Todos este processo dura tempo suficiente para que o mundo mude e o seu habitat se transforme e só após cinco longos meses a águia poderá sair para o seu primeiro voo de renovação e viver mais 30 anos.
Pensei que gostariam de conhecer estes factos, sobretudo quando a Luz novamente se ilumina. Este texto vale mais que mil ilustrações.
Sei que foi difícil renovar as nossas esperanças e finalmente hoje em dia quando os nossos corações voltam a bater fortemente no nosso imaginário, é difícil digerir derrotas ou aceitar o passado de forma tranquila.
Não há uma palavra que sobre ou que esteja a mais. Perder é algo que fica fora do contexto e do vocabulário de qualquer Benfiquista. E quando perdemos, buscamos consolo uns nos outros, e levanta-mo-nos. Levanta-mo-nos com toda a força e orgulho que nos é dada pelo companheiro que está ao nosso lado e que perde 5 minutos do seu dia para comentar a atualidade do Glorioso, que nos dá força e nos compreende como só um Benfiquista pode compreender outro.
Por favor voltem a ler: "A águia é a única ave que chega a viver até aos 70 anos. Mas para que isso aconteça, por volta dos 40, acaba por ter de tomar uma séria e complicada decisão.”
Jung dizia que, por volta dos 40 anos, os seres humanos sentem que estão no auge da sua força criativa. É nesta altura que podem (ou não) entrar em contacto com as forças profundas da sua personalidade.
Eu tenho 40 anos. Feitos no passado dia 25 de Novembro. E sinto-me hoje mais Benfiquista que nunca. Não quer dizer que não o tivesse sido anteriormente ou que não tenha vibrado com o clube como hoje em dia vibro. Mas há hoje para mim uma grande diferença.
Hoje eu compreendo melhor o clube do que quando tinha 18/20 anos. Basta-me olhar para o olhos das pessoas que me rodeiam no estádio, para imediatamente sentir uma comunhão de pensamentos que tem apenas um único sentido: a glória do Benfica, sempre a vitória, e acima de tudo a perfeita harmonia de um universo de estranhos que persegue um objetivo comum e se renova a cada dia que passa.
Farto-me de ouvir companheiros meus com mais experiência do que eu em gestão de empresas, dizerem que uma empresa de âmbito familiar (como aquela de que faço parte) chega a um momento em que o seu próprio crescimento obriga os seus gerentes ou gestores a tomar a difícil decisão: assumir que se quer crescer enfrentando os difíceis desafios que o mercado nos vai colocando no caminho, ou, então, fechar, pura e simplesmente cessar de existir, porque ficar estagnado num mar de águas paradas é apenas adiar um suplício inevitável.
Hoje com 40 anos, não quero fazer um testamento para depois o renegar na minha velhice. Receio que o meu nível de senilidade me impeça de discernir da correção e validade das decisões do passado. Mas receio muito mais cometer o erro de escrever hoje, apenas para renegar amanhã tudo aquilo em que acredito. É algo que realmente me atormenta e contra o qual luto cada vez que escrevo.
Mas mesmo que algo mude na minha vida, que a trajetória seja diferente, que as vivências mudem, há algo que nunca irá mudar. E esse algo, essa essência que hoje sustenta muitos de nós, é um fenómeno que está mais entranhado dentro de mim do que qualquer sentido ou conceito de renovação que outros tenham.
E o Benfica é esse fenómeno.
Mais grave ainda: um fenómeno que se alastra.
Gravíssimo: um fenómeno que hoje se transmite via Benfica TV para todo o mundo.
Pois bem, segundo alguns, Jorge Jesus terá encontrado uma maneira de resolver, nos Benfiquistas, o drama da águia: a harmonia futebolística. Passe longo aqui e acolá, corte providencial acolá e aqui, salero q.b., pressing constante. Isto feito e a águia sai com frequência, planando pelos relvados, acima dos mortais, em busca da sua presa, num afã impressionante de vigor e empenho.
Sendo esta a solução atual da águia ou outra que alguns preferem, vinda de dentro, interessa, de uma vez por todas, finalizar um processo de renovação doloroso. Recolher-se a um novo paredão, destruir o velho bico, esperar que outro surja e com ele arrancar as penas, num rito de reiniciação inevitável, é algo que os Benfiquistas só permitirão que aconteça uma vez. O tempo de espera termina brevemente e é necessário que o Benfica seja capaz de acompanhar os tempos que aí veem e também atingir o patamar de excelência que nós, enquanto sócios e adeptos do Maior Clube do Mundo lhe exigimos.
Então a águia, digamos, acabará de renascer.
(Terá de redimensionar o seu corpo e os seus desejos, talvez desmontar a sua casa e os seus sentimentos, realojar os seus objetivos e as suas sensações, mas sempre assumindo os seus filhos.)
Então a águia, digamos, acabará de iniciar um novo trajecto.
(Tem que descobrir um caminho próprio, outras aptidões, e enfrentar as recentes humilhações do passado.)
Então, a águia, digamos, acabará de iniciar um novo vôo.
(A crise de amor levou-a a outras paragens, tem que reaprender a linguagem de tudo e reinventar sua mística à imagem de outros tempos.)
Então, a águia, digamos, acabará por vencer a sua principal batalha.
(É como se uma parte do corpo que lhe tivesse sido arrancada, lhe fosse de repente devolvida, fazendo com que agora possa voar como antes, e rasgar como outrora o imponente azul celeste.)
Então, a águia, digamos, sentir-se-á numa nova situação em que é desafiada a mostrar as suas novas competências.
(Pode recear o fracasso, mas é competente e lutadora e acha que tem garras e asas para voar mais alto.)
Pois bem. Houve que deitar fora o bico velho, houve que arrancar as velhas penas, e houve que recomeçar. Bem ou mal, um recomeço é algo que, como pudemos verificar ao longo dos últimos dias neste e noutros blogues e também noutros locais, se torna doloroso, principalmente quando não se respeita a nossa história.
Passámos ou ainda estamos numa época de metamorfose.
Parece que estamos condenados a que esta metamorfose nos aconteça de vez em quando. Perder e morrer e voltar a ganhar e viver. Até que, no fim, chegaremos à metamorfose final, onde o que era sonho e carne se converterá em glória e reconhecimento. Reconhecimento este que ficará para sempre refletido nas nossas almas e nas nossas mentes, mas acima de tudo no imponderável novo voo de uma águia vitoriosa.
Nunca julguei retirar algo positivo de uma derrota, mas ontem à noite ao ler algumas das opiniões que estão evidenciadas pela nossa Gloriosaesfera fora e ao analisar a frio todo estes últimos dias de informação e desinformação, senti-me mais Benfiquista que nunca. Há algo no ar este ano. E esse algo são a nossa Glória e a nossa Vitória. Esse algo é a minha certeza, o meu desejo, a minha paixão, a minha força. A minha e a de muitos. Pois de muitos se faz um e esse um é e sempre será o nosso Benfica.
GLÓRIA BENFICA
A TODOS NOS UNE
FAR-SE-Á HISTÓRIA
EM VÁRIOS VOLUMES
PS:Adaptação livre de um texto de Affonso Romano de Sant'Anna: "O Vôo da Águia", publicado no jornal “O Globo”, Segundo Caderno, edição de 03/01/2001
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